quinta-feira, 9 de julho de 2009

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Tanto "Je t’aime... moi non plus” quanto Serge Gainsbourg são conhecidos há muito tempo. A canção que o compositor francês cantou em 1969 com Jane Birkin causou um escândalo famoso, por ser explicitamente erótica. À época da estreia do filme de mesmo título, dirigido por Gainsbourg, a polêmica aumentou. Paixão Selvagem, como é conhecido no Brasil, é absolutamente condizente com a personalidade de seu diretor. A história do caminhoneiro gay Krassky (Joe Dallesandro) que se envolve com a garçonete andrógina Johnny (papel de Birkin) é sensual, ousada e despudorada.

O erotismo era parte da vida e da obra do artista, e é sempre contemplado e celebrado, exaltado e naturalizado, seja na voz macia e murmurante ouvida na canção, seja na nudez constante da atriz e de seu parceiro em cena. O conteúdo do filme é anunciado na simples menção do nome do diretor. Um filme dirigido por um homem famoso por sua sexualidade é totalmente auto-explicativo. Logo, quando o espectador dá de cara com nus frontais, masculinos e femininos, cenas de sexo explícito, brigas violentas e assassinatos passionais, está simplesmente vendo o que pagou para ver.

É como o velho flatulento que cuida do bar de Johnny. Não que ele não seja uma caricatura do grotesco, mas, em certo momento, ele lembra a garota que ela sabia de seus problemas com gases. O aviso é dado como lembrete à personagem, e, mesmo sendo novidade para o espectador, este sabe que é algo já estipulado. Acontece o mesmo com as cenas “polêmicas”: nos créditos, no mais tardar, todos na sala de cinema sabem o que verão. Não é uma posição defensiva, e sim um sutil ataque à hipocrisia de quem possa criticar o filme por motivos moralistas.

Isso dito, e sendo a mais interessante discussão presente no filme, há questões mais superficiais. A beleza estética, particularmente, pois não tem grande ressonância. É apenas uma boa seleção de enquadramentos e movimentos de câmera relativamente belos, pois raramente exprimem algo além de apuro visual vazio. As exceções são algumas cenas de sexo, sensuais e íntimas, que ganham ainda mais potência com os planos de Gainsbourg, e um par de seqüências em que o lixo é visto como algo sublime. Além desses seletos momentos, a estética da imundice se confunde com a estética da limpeza sem constância, e, mesmo quando se equilibram, não dizem nada muito profundo.
7,0

Kristin Scott Thomas tem a chance de realizar um vasto exercício de atuação no filme de Phillip Claudel, Há quanto tempo que te amo. A obra escrita e dirigida por Claudel mostra o retorno de Juliette (Thomas) depois de 15 anos de prisão. Ela vai morar com a irmã, Léa (Elsa Zylberstein), mas a adaptação é difícil, especialmente levando em conta o que ela fez para ser encarcerada. Uma boa escolha feita logo de cara foi evitar o mistério sobre a natureza do crime. Ele é revelado relativamente cedo, e de forma direta, seca, numa entrevista de emprego. Aí reside o grande trunfo do roteiro: o enfoque é dado às reações de todos em relação a Juliette.

Nesse sentido, a construção é fenomenal. Personagens inteiros são criados com uma grande variedade de funções, mas todos dizem algo sobre a protagonista, antes de tudo. Um excelente exemplo é Fauré (Fréderic Pierrot), que é trabalhado com bastante sutileza. Em determinado momento, ele conta para Juliette seus anseios, desejos e sentimentos. Depois de ser ouvido, ele pergunta como a interlocutora está, e a cena acaba. É um dos momentos mais tocantes do filme, pois é quando fica explícito que sua importância é não se preocupar demais com Juliette.

O único que tem uma reação similar é o pai de Luc, marido de Léa. Ele vive num cômodo, e, por ter perdido a fala depois de um AVC, só lê e se comunica através de bilhetes. É o primeiro personagem com quem a protagonista tenta contato, por um motivo simples: ele não falará coisas erradas. Quando fala com o idoso, ela sempre recebe um sorriso radiante de volta, e os motivos para tal atitude podem ser vários, mas não importam. O que importa é que ele é uma companhia inofensiva, que respeita completamente o espaço de Juliette.

Outra cena inteligente, que na verdade introduz ao espectador o conceito da obra, ocorre no carro, quando Léa está levando a irmã mais velha para casa pela primeira vez. A caçula conta as novidades da vida, mas com uma apreensão que fica óbvia em olhares, voz e postura tensos. Thomas não facilita, é fria a tudo, pois está no começo de sua reabilitação ao mundo exterior (e construção dramatúrgica) e se encontra inacessível em todos os sentidos. Quando Léa começa a se desculpar pela distância, num raro caso de diálogo expositivo com estofo, a situação é mais complexa. O enfoque ainda é no efeito que Juliette causa nos outros, mas, nesse caso, se trata do efeito causado nela antes de mais nada. Um ato, uma ausência ou uma palavra causam uma mudança na protagonista, e é aí, talvez, que é apresentada a grande força motriz do filme.

Como há de ser, a ideia se perde em certos momentos. Se a cena citada acima apresenta um discurso elaborado e o personagem de Fauré é explorado sutilmente, vários outros excertos do roteiro pecam em ambos os quesitos. Num contexto mais geral, Luc e sua filha com Léa, a pequena Lys, têm um valor pobre. As preocupações paternas do primeiro e a curiosidade infantil da segunda soam artificiais. Se o diretor provou que sabe usar as entrelinhas, fica difícil aceitar que as coisas sejam expostas de forma tão esquemática e mastigadas como o são, via de regra, com esses dois personagens. Há exceções, como a cena do zoológico, que não fica apenas na exposição dos dilemas morais da convivência com uma ex-criminosa.

O intelectual no jantar, apesar de também jogar questionamentos de forma pouco orgânica, dá outra prova de habilidade de Claudel. A resposta de Juliette, seca e breve, é a mesma que ela já usou antes, e o resultado não podia ser mais diferente. Através de um cuidadoso planejamento narrativo, cada personagem entende e julga a informação de um modo particular. Na mesma cena, Michel descobre a veracidade da revelação, mas o que ela representa tem um valor distinto do que tem para Luc, Léa ou a própria Juliette. A quantidade de personagens secundários e terciários enriquece profundamente a trama, e evidencia a dedicação e inteligência do texto.

Toda essa construção, no entanto, tem como foco a protagonista, e Thomas é a chave para o sucesso absoluto do arco dramático de Juliette. A atriz dá atenção a tudo, desde os detalhes minuciosos de seu rosto até elementos mais gritantes, como a hesitação física ao contato humano. O mais notável, porém, é como ela consegue confeccionar uma pose sem se projetar. Ela mostra com o corpo, com o olhar, com um pathos danoso, que Juliette conhece seu poder de afetar os outros. Não é uma postura de imposição, e a impossibilidade de se livrar dessa aura nefasta mostra quanta melancolia a inglesa imprime à sua performance.

Isso leva ao desfecho, que tem uma qualidade de esperança que pode soar puramente esquemática – o que não deixa de ser, já que a revelação parte de um incidente patético, e não do interior de um dos personagens. O que torna esse um caso raro em que a convenção ganha força é o eco com a proposta narrativa inicial. Quando Léa força Juliette a contar tudo (olhando-a firmemente nos olhos, num dos grandes momentos de Zylberstein), ela está mostrando que sua reação, pela primeira vez, é de compreensão e apoio emocional. O resultado é, de fato, horrivelmente piegas e expositivo, mas conclui de forma interessante o retrato de uma mulher formada pelo que causa às pessoas a seu redor. É uma pena que essa história tenha sido confeccionada com uma apoteose impossível de ser somente boa.
8,0

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