quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Mostra de Cinema Brasileiro Contemporâneo

Em São José, teve um pequeno festival com filmes novos do mercado nacional cinematográfico. Entre as atrações, O Céu de Suely (que infelizmente perdi), O Cheiro do Ralo, Cão sem Dono e Crime Delicado. Vi os três últimos – já tinha visto O Cheiro do Ralo - , e, infelizmente, o que eu já vira foi o melhor da noite.

Crime Delicado é um filme que poderia se destacar no mercado brasileiro de cinema, mas acaba prejudicado por deslizes medonhos.

Para começar, Marco Ricca. Nunca apreciei seu trabalho, e nesse filme ele se superou: enquanto devia ter aflorado o cinismo e a frieza de seu personagem, ele não conseguiu mais que se deter numa expressão fixa, que não muda o filme todo, os olhos vagos e a boca fechada. Mesmo quando ele diz algo, soa artificial, numa voz sussurrada e irritante. Felizmente, ele é o único elo fraco do elenco. A estreante Lílian Taublib faz um papel sensacional, cheio de emoção e intensidade, e fica num equilibrado meio termo dramático, longe da nulidade expressiva (vide Ricca) e do exagero teatral. Felipe Ehrenberg também faz um papel difícil, o do artista-ídolo de Inês, e convence, especialmente na sensível cena em que ele cria um de seus quadros.

A discussão que “Crime Delicado” faz sobre a arte, que o próprio Antônio (Ricca) chega a discutir a certa altura da projeção, é o que dá a força narrativa à história. Quando a dúvida sobre os limites da arte é levantada, o filme faz que vai responder, mas deixa a resposta um pouco vaga, afirmando que ela tem, sim, limites, mas que Campana (Ehrenberg) ainda não os ultrapassou. Na intimidade, ao vê-lo criando com sua modelo, ambos nus, em posições escandalosas, a noção dos limites fica clara: Inês o respeita tanto pois ele tem respeito semelhante para com ela. Campana é um artista acima de tudo, acima até mesmo da luxúria, e é isso que a garota venera nele. Por outro lado, essa mesma atitude respeitosa é totalmente deixada de lado por um Antônio bêbado, que diz querer proteger Inês do artista “aproveitador”.

Embora o roteiro seja feliz em mostrar os ricos comentários do filme, a edição escabrosa quase arruína tudo o que fora escrito com tanto esmero. Brant picota o filme de maneira horrendamente irregular, separando-o em vários capítulos, estilos visuais e climas que se chocam violentamente. A idéia de mostrar uma peça de teatro seguida da crítica de Antônio é boa, mas é apenas usada na primeira metade do filme. Seria mais elegante espalhar um pouco mais as cenas similares, para dar fluidez à idéia. Do jeito que ficou, pareceu um modo de deixar o filme mais longo. Técnica similar foi usada para a criação de Campana: uma única cena, de vários minutos de duração, explica todo o processo criativo dele, revelando tudo o que há para ser revelado, de uma vez.

Mas Brant realmente desce de nível quando muda a fotografia para um tosquíssimo branco e preto, de um take para o outro, revelando sutileza visual zero e uma falta de senso de ridículo tamanha, já que o (não) uso das cores é de um amadorismo tremendo.

Só Ehrenberg, Taublib e as interessantes discussões sobre os limites da Arte salvam esse filme da irregularidade e da falta de sensibilidade cinematográfica que Brant demonstrou. Embora seja ligeiramente melhor que seu próximo trabalho, “Cão sem Dono”, “Crime Delicado” tem uma boa parcela de defeitos, que só não afundam a produção pois ela também apresentas qualidades notáveis.

Nota: 6,5

Cão Sem Dono é um trabalho despretensioso do mesmo Beto Brant do filme acima. Infelizmente, a qualidade deste é ainda menor.

Contando com uma premissa interessante, que conta a vida de um jovem desgarrado e sem futuro, a proposta acaba se tornando equivocada e mal conduzida, salvando-se do fracasso total apenas pelos ótimos atores e por um par de boas cenas. Estas são a do poema, de uma naturalidade assustadora, e a melancólica revelação do interesse amoroso do protagonista.

Fora esses bons momentos, o filme se arrasta numa narrativa oca, frágil e extremamente desinteressante. É o tipo de fita que não promete nada no começo, não cria nenhum conflito e fica até o fim da projeção nesse ponto morto, sem desenvolver uma história e sem criar situações interessantes para manter a atenção. É como “Casos da Vida” na tela grande.

A idéia de Brant, com essa história anêmica, foi mostrar como a juventude atual está perdida e sem perspectivas, porém ele acaba exagerando na metáfora e o próprio filme se torna perdido e sem perspectivas. Se os porres, as baladas, as solidões e os bicos frustrantes pelos quais Ciro passa são desestimulantes, é por causa da direção, que exagerou no tom realista e intimista.

Não que intimismo não seja bom. Infelizmente, porém, nesse filme tudo parece um documentário. Brant não percebeu que, com uma história tão realista e crível (e ocasionalmente chata, como a vida), o estilo câmera-na-mão fica exagerado. Fazer com que a câmera seja um personagem, que assiste tudo com uma proximidade desconcertante, é como mostrar legendas em um filme nacional: redundância desnecessária. Tome, por exemplo, a cena do café da manhã. Ela poderia ter cortes, para dar uma certa ondulação dramática, mas Brant quis dar um tom “Dogma” à cena, tornando-a morna e aborrecida.

O único show do filme é cortesia de Tainá Müller e Júlio Andrade, espetaculares em seus papéis. Embora a proposta documental seja mal utilizada, ambos demonstram uma sensibilidade enorme para desenvolver seus personagens, tornando as poucas cenas boas memoráveis. Destaque para a conversa sobre poemas e para a interpretação musical de Ana.

E não tem como se esquecer do cachorro. Na verdade, tem sim. Ele é só uma metáfora da vida desgarrada de Ciro, e aparece tão pouco que sua função estilística se torna constrangedoramente óbvia. “Cão sem Dono” exagera na metonímia e acaba se tornando aborrecido e perdido, quando apenas a vida de seu protagonista o deveria ser.

Nota: 5,5