quarta-feira, 20 de junho de 2007

Zodíaco

Há inúmeros meios de se fazer um filme de serial killer. Alguns cineastas desconhecidos, que, aparentemente, não querem sair do anonimato, dirigem filmes sangrentos focados nos assassinatos brutais, como o “Zodíaco” picareta comandado por Uli Lommel. Outros gostam de surpreender com roteiros intrigantes e finais bem pensados, como David Fincher no excepcional “Seven”. Alguns até se aventuram em idéias mais originais, como o curioso “Dahmer”, que coloca Jeffrey Dahmer na posição de personagem dramático. Por sorte, Fincher e a história do Zodíaco se juntaram para criar um dos melhores filmes de assassino em série desde... bem, você sabe.

A ousada narrativa tem início em 1968, ano em que o Zodíaco primeiramente foi notado, por matar um casal de jovens em seu carro. Logo depois, ele mandou uma carta para o jornal San Francisco Chronicle, informando seu codinome e confirmando a autoria do homicídio duplo. Mais dois casais foram assassinados em diferentes locais – curiosamente, apenas as mulheres acabaram mortas, os parceiros sobreviveram. Porém, o serial killer quebrou o padrão ao atirar em um taxista no meio da área suburbana de São Francisco. O colunista Paul Avery (Robert Downey Jr.) escrevia sobre o assassino, enquanto o inspetor David Toschi (Mark Ruffalo) cuidava do caso, e o cartunista do Chronicle, Robert Graysmith, (Jake Gyllenhaal) apenas observava, pois o mistério o incitou desde o começo.

O filme acompanha mais de 20 anos de investigação sobre o assassino do Zodíaco, mudando o foco de Toschi para Graysmith, que mais tarde publicaria dois livros sobre o assunto que tanto o fascinou. Embora o tempo de projeção seja longo (158 minutos), a quantidade de informação é enorme, portanto um diálogo perdido significa um dado importante perdido. Desse modo, é interessante que um filme tão longo e tão fundamentado no roteiro consiga manter a atenção até o fim. E nas cenas de suspense, David Fincher continua excelente, criando um desconforto incrível, especialmente numa cena protagonizada por Jake no fim do terceiro ato.

Falando em Jake, ele está ótimo. Desde a pálida presença de Graysmith no Chronicle até a obcecada figura que aborda inspetores que foram ligados ao caso, Gyllenhaal consegue criar essa transição de forma a acompanhar o ritmo do filme, e embora sua motivação seja um tanto obscura, o empenho que ele bota na investigação é estimulante para quem assiste. Ruffalo também rouba a cena, revelando Toschi como um investigador sempre sensato, mas que esconde um fascínio similar ao de Robert pelo caso. Já Downey Jr. é o grande destaque do filme, criando momentos cômicos seja com os trejeitos bêbados (Jack Sparrow fez escola), seja com os olhares vagos ou com as frases hilárias.

James Vanderbilt investiu no humor para manter a densa narrativa mais acessível, e consegue fazer rir de maneira eficiente – especialmente quando Paul Avery está em cena -, criando uma dicotomia interessante entre o suspense e a comédia. E o que mais impressiona é o modo em que o longa foi idealizado: a longa linha do tempo evita resumos grosseiros e explicações apressadas, e o melhor, causa interesse. O diretor merece aplausos por ter sido original em sua abordagem e não se perder na complexa estrutura adotada. O filme ainda incita discussões sobre a real natureza do Zodíaco, que tem semelhanças e diferenças com a do John Doe de “Seven”: embora o primeiro seja pouco metódico e quase simplista, a idéia dos “seguidores” do segundo é reciclada de forma sutil.

Se há ressalvas a serem feitas para “Zodíaco”, elas têm a ver com a segunda parte da narrativa. Quando o foco recai em Robert Graysmith, parte da urgência presente no começo se esvai, já que o caso do Zodíaco está praticamente fechado. Isso sem contar que a motivação do ex-cartunista é pouco crível, como se escrever o livro fosse um mero detalhe. Por outro lado, foi uma decisão acertada mostrar o quão preocupada ficou sua esposa, Melanie (Chlöe Sevigny, ótima), assim como colocar a melhor cena de suspense nessa parte da história.

Além de tudo, “Zodíaco” ainda é visualmente interessante, contando com eficientes efeitos visuais e uma câmera inspirada. David Fincher é um dos cineastas mais brilhantes dessa geração: em 15 anos de carreira e com apenas seis longas no currículo, ele é um dos diretores que mais reavivou o cinema atual, criando obras de ótima qualidade com freqüência. Espero que o inexplicável mau desempenho desse último filme na bilheteria não atrapalhe sua promissora carreira.


Nota: 9