sábado, 14 de julho de 2007

Ratatouille

A nova animação da Pixar, “Ratatouille”, não é nada menos que deliciosa. É claro que os pratos refinados e realistas que foram reproduzidos no longa ajudam – dá quase para sentir o aroma das refeições. Mas o que há de mais saboroso é a qualidade indiscutível e os valores impecáveis deste que é um dos melhores filmes de 2007. Não por acaso, Brad Bird é quem comanda essa diversão toda, demonstrando que seu talento continua a aumentar a cada trabalho, já que o Oscarizado “Os Incríveis” também é espetacular.

Remy começa contando a história quando ele ainda morava com seu pai numa colônia de ratos, alojada no teto da casa de uma velha senhora. O faro do jovem roedor é espetacular, mas seu pai apenas o vê como um bom detector de veneno, enquanto ele tem planos mais altos: se tornar um grande cozinheiro. Porém, graças a um acidente doméstico, Remy acaba se separando de seu grupo, e cai na iluminada Paris. Ele conhece Linguini, um jovem desastrado que acabara de arranjar um emprego no restaurante de Gusteau, um respeitado chef que acabara de morrer. No garoto, o rato vê a chance de realizar seu sonho, embora tenha de evitar o paranóico Skinner, lidar com o temperamento difícil de Collete e fazer bonito para o temido crítico Danton Ego.

Se tirada toda a roupagem temática, o roteiro se apresenta apenas como a fórmula das animações atuais, mas ele é tão cuidadoso que ele dá um ar novo e estranhamente crível. Na verdade, até alguns clichês são evitados, e os outros são elegantemente disfarçados e não comprometem a história, fazendo de “Ratatouille” uma animação fofa, mas não boba. Os personagens principais são naturais e adequadamente humanos (incluindo os ratos), e suas personalidades guiam a narrativa, em vez de serem guiados por ela. Remy, Linguine e até alguns personagens principais são analisados e desenvolvidos com cuidado, focando em suas mentes e relações. O diretor Bird conseguiu dar até ao mais terrível vilão um momento de ternura, e foi feliz em despertar emoções baseadas em sentimentos individuais.

Para representar expressões faciais, o time de animação descartou a técnica de captura de movimentos, usada em “Happy Feet”, aumentando o número de possibilidades visuais. Com essa escolha, várias cenas de humor (e que humor!) foram viáveis, graças à elasticidade dada aos corpos e faces caricaturais – principalmente no caso de Linguini e Skinner. Remy e seus companheiros ganharam características humanas e animais, perfeitamente equilibradas, e também alguns dos pêlos mais realistas já criados por computação. Objetos e ambientes são de um realismo assustador, com texturas magníficas, vide páginas de livros, roupas, pele e, especialmente, comida. Esta última recebeu atenção especial, sendo tão impecavelmente real que é difícil não salivar por cada prato que aparece na tela.

A detalhada produção foi conduzida por Brad Bird com habilidade e um senso de diversão invejável. O diretor entende a flexibilidade do mundo digital e o explora intensamente, correndo com a “câmera” em excitantes e impossíveis tomadas, seguindo Remy em corridas insanas e aumentando a sensação de estar num mundo de gigantes. Essa liberdade digital também foi usada para desenhar os personagens e dar a suas aparências aspectos da personalidade de cada um. Linguini é tão magro que só há espaço para botões em seu uniforme. O “chef” Skinner é tão pequeno que sua enorme cabeça rouba a cena. Finalmente, Ego é tão sinistro e esquelético que Tim Burton provavelmente se sentiu orgulhoso. A sábia visão de Bird perimtiu que as expressões fossem as mais naturais possíveis, e, no final, nem dá para notar que os “atores” são apenas pixels.

“Ratatouille” é um dos melhores filmes do ano, até agora, mostrando que tanto animações livres como essa e as que usam a técnica de motion-capture (como no excelente “Happy Feet”) têm chance de serem boas – no entanto, a dispensável alfinetada de Bird no fim dos créditos abre espaço para preconceitos. Ambos podem ser tecnicamente perfeitos, divertidos e bem roteirizados, o novo pupilo da Pixar é um desses casos. É só escolher um diretor talentoso, como George Miller ou Bird, e dar algo em que ele trabalhar. Ou algo com que brincar, o que, no final, é bastante recomendável.

P.S.: O curta “Quase Abduzidos”, mostrado antes do longa, é hilário, bem feito e original. Confira.

Nota: 9,0