sábado, 27 de outubro de 2007

A Exposição Pt.2

Andou um pouco e chegou numa área cheia de esculturas inimagináveis. Mas não achava nenhuma delas mais inimaginável do que seus respectivos nomes. Várias pontes de mármore, perecendo girafas num bizarro ritual de acasalamento, receberam o título de “Semblante de um Momento”. Uma pilha de latas, desde as vermelhas e verdes de refrigerantes até as de lixo metálicas e com abas dos lados, também ornava o grande espaço destinado a esculturas. Uma pequena placa branca apontava aquilo como sendo o ‘’Espectro dos Mártires Cegos’’. E nada muito mais compreensível esperava Fernanda à frente.

Estava quase perdendo a noção do tempo, quando desviou os olhos de uma massa disforme e colorida – a obra que estava observando. Olhou o relógio, e caminhou em passos rápidos até a rampa, para encontrar Renata na saída. Mas uma passagem chamou sua atenção. Dirigiu-se para o intrigante lugar, que não lembrava de ter visitado. Lembrava, sim, de um certo espaço vazio ali, mas não tinha reparado na escada.

Nesse momento, Renata procurou a amiga para perguntar uma coisa, mas não a viu em lugar algum.

Fernanda correu para chegar mais rápido, ver as obras mais rápido e voltar mais rápido. Teve a preocupação de olhar em volta para que nenhum guarda ou monitor chamasse sua atenção. Desceu as escadas tão depressa que tropeçou e quase terminou deliciosamente rolando pelos degraus. Na verdade, se continuasse na mesma velocidade após chegar no andar de baixo, teria beijado um enorme vidro negro. Chegando lá, não achou muita coisa.

Ao virar e ir para a direita, já estava impaciente, e queria encontrar logo algo para ver. Continuou com apenas branco em sua visão, nenhuma pintura ou quadro, tapeçaria ou escultura, absolutamente nada. Apenas paredes servindo como anteparos em uma caminhada cansativa e sem sentido. Tão sem sentido que Fernanda não quis mais ficar lá. Mas, quando ia se dirigir para a escadaria, ouviu algo que não fez sentido, a princípio.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

A Exposição (Pt. 1)

Os rostos se torciam em incompreensíveis espirais de pele avulsa. As mãos agarravam umas às outras como se algo as puxasse para baixo. Nas faces, apenas uma boca escancarada e cavidades profundas que, provavelmente, já tiveram olhos. Não se podia olhar aquilo por muito tempo, pois causava uma inescapável confusão mental. E, quando se percebia a verdadeira essência da imagem, causava desconforto. Fernanda estava olhando há certo tempo, e, depois de ler algo à sua direita, deu a volta pela longa parede branca e viu o que estava do outro lado.

Havia mais uma infinidade de coisas a ver, mas nenhuma tão impressionante como a anterior. Eram apenas manchas de acrílico, borrifos de óleo, trapos costurados, cores ou muitas cores, em oposição à morbidez cinzenta e escura da tela do outro lado.

Quase hipnotizada de novo, Fernanda sentiu uma mão em seu ombro nu, que o acariciou e levantou a alça de sua regata azul. Virou-se e viu sua amiga Renata, olhando-a com uma expressão estranha.

- Não está com frio, só usando isso aqui? – perguntou.

- Ainda não. Mas esse ar condicionado está cada vez mais forte. Você está com uma cara de inútil. – Fernanda não conteve um risinho. - Que houve?

- Nada. Só estou um pouco pasma com tanta maluquice nessa merda aqui. – respondeu, e começou a rir.

- Ah, por favor. Você já me disse isso um milhão de vezes, e eu ainda duvido que seja verdade.

- Mas é. Olha aquele quadro ali, aquele perto do extintor. Viu?

- Sim, e já tinha visto antes.

- O que diabos você viu naquilo? Eu só vi um monte de casinhas! Nem tem uma velha gorda pendurando os lençóis no varal! Se tivesse, talvez eu iria achar bonito – ou bem-feito.

- Acho que você não quer ouvir mais uma das minhas explicações sobre a essência e significação de um quadro, não é?

- Bem, se eu puder te dar uma aula de Yellowcard mais tarde...

- Está bem, já entendi. Que bom, porque eu não entendi droga nenhuma daquele quadro. Mas me deixa ficar só mais um pouquinho, por favor!

- Lógico! A vista é sua, então não vá reclamar de dor nos olhos quando voltarmos, hein?

- Não se preocupe. Eu sofro em silêncio, se sou tão irritante.

- Ainda bem que você é compreensiva.

Ambas riram-se por algum tempo, e Renata virou-se e foi para o banheiro (‘’Seja onde for’’, pensou), balançando seus cabelos castanho-escuros nas costas. Fernanda continuou observando a profusão de cores das telas do lituano. E, em pouco tempo, já estaria com a vista cansada. Afinal, estava lá desde as duas da tarde; no momento, seu relógio marcava cinco e quarenta e sete.