quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

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Duro de Matar
Ouvir falar é uma coisa. Saber o que é é outra completamente diferente. E é o segundo tipo de expectativa que tento evitar a qualquer custo com filmes famosos, pois os comentários e o hype são inevitáveis. Consegui com Duro de Matar. Sem ler sinopses, mal sabia eu que estava prestes a ver um filme que se passa inteiro num local só, contando com uma situação única - ao que um Velocidade Máxima da vida se vale de mais de duas para ser minimamente interessante. Mas vamos falar de coisa boa. O roteiro de Stuart e Souza consegue não só desenvolver o plot e os personagens de todos os melhores modos (atentando ainda ao próprio gênero com fina ironia, sem perder as raízes macho, pronunciado "matcho"), como também cria deixas que McTiernan leva a extremos espetaculares: as cenas de ação.

O diretor usa a ótima edição, a surpreendente fotografia de De Bont e câmeras inspiradas para elevar as pancadarias e tiroteiros a um nível insano, misturando tensão, catarse e adrenalina pura em doses perfeitas - por sinal, esse filme é um terror para gente com vertigem. Os efeitos especiais completam a experiência explosiva com uma dose de realismo e brutalidade (O Procurado, filme de alta classificação etária, é uma das poucas comparações recentes em termos de violência gráfica) que só intensificam o filme. E como se não bastasse, o elenco é liderado por Willis, carismático até a medula, VelJohnson, um parceiro memorável, e Alan Rickman (outra surpresa para mim), como um dos vilões mais fodas que já vi. Sua própria escalação é prova de que o antagonista tiha a obrigação de arrasar; como se os resultados não comprovassem isso, já que Rickman rouba todas as suas cenas. Um belo retrato do gênero (mesmo sem conhecer bem o alvo das ironias e das homenagens, o tom é perfeito) e um filmaço divertido pra cacete.
****¹/²


Kwaidan - As Quatro Faces do Medo

Vi a obra de Masaki Kobayashi como uma experiência estrangeira: não é totalmente compreensível, confunde, surpreende e impressiona. Embora a maravilhosa direção e o visual acachapante sejam bem universais, as diferenças culturais se fazem valer a todo momento, não só dentro do filme, como também na reflexão externa da criação de Kobayashi. Vários porquês ficam perdidos no limbo dos oceanos, e, talvez da forma mais acentuada dentre todos os filmes japoneses que já vi, o escrutínio revela distinções colossais entre culturas, resultando no estranhamento. É nessa linha que o filme causa uma impressão diferente, talvez mais fraca para mim que para um japonês, mas, quando não apavora através dos sons e músicas de outro mundo e das imagens singelamente macabras, o susto que se toma é relacionado à disparidade tão gritante entre dois tipos de sociedades, tornando muito do que é feito lá um jogo de quebra cabeças com dezenas de peças faltando. E como bizarrice pouca não é bobagem, a experiência encontrou um eco inesperado enquanto eu pensava: vejo semelhanças para com um filme que não poderia ser mais formalmente diferente, Macunaíma, outro retrato do imaginário de uma nação.
****¹/²

O Resgate do Soldado Ryan
Ao passo em que temos Spielberg mais violento que de costume, em seu segundo filme sobre a Segunda, há uma preocupação com o lado humano, que é sempre tangente. Cenas de boa dramaturgia acabam perdidas em meio a algumas tentativas falhas de criar personagens envolventes, problema que poderia ser compensado pela menção de apenas tanger aqueles seres humanos, afinal, apenas mais um, mais três, mais mil corpos na guerra, mas essa intenção é raramente pronunciada - no caso, pelos monólogos nostálgicos. As tomadas em que o tecido patriótico torna-se translúcido, visto à luz de algo mais, são a prova de que Spielberg tentou, mas não conseguiu com grande força.

No entanto, a energia das longas batalhas, a brutalidade e o realismo parecem afogar tudo isso, completando o filme em desespero e coerente rispidez, saindo do apuro estético do diretor (aqui ressaltadíssimo) e caindo num visual que em segundos se torna fadado à tragédia - é quando o sangue jorra que as cores dão o ar da (des)graça. Agraciado ainda com belas atuações do extenso elenco (Davies e Pepper são personagens ótimos), e com ritmo maestral, o último defeito digno de menção é a trilha sonora, incapaz de ver o patriotismo através da luz desesperada e humana que o excelente diretor de fotografia Kaminski encontra. Apesar de suas falhas, o filme impressiona bastante pela energia insuportável conferida ao que realmente importa na guerra: os confrontos, que podem ser chamados de desumanos, mas que são simplesmete a base da sociedade de nossa espécie.
***¹/²

Fale com Ela
Indo além do corpóreo, elevando-se, segundo a professora de balé, da terra ao etéreo, o filme de Almodóvar consegue se despir de jogos de certo-e-errado sem passar batido por eles, analisando os eventos de forma tanto fria quanto sentimental, e deixando um claro "foda-se" para os julgamentos legais, morais e éticos. O que estão lá são os fatos, e muitos deles são influenciados, direta ou indiretamente, por sentimentos, oferecendo uma visão belíssima (e abrangente) da vida. Enquanto um personagem diz que não é fácil ter fé, vemos que Martín (Cámara, desconcertante em sua fragilidade e resolução) viveu quatro anos em uma fé inabalável; enquanto o próprio Zuluaga (Grandinetti, lidando perfeitamente com um personagem bastante complexo) se mostra amoroso e frio em momentos diferentes, ao que os sentimentos que ele não nutre por Lydia e os que nutre por Martín não diferem tanto em "loucura".

O roteiro utiliza fludíssimas idas e vindas no tempo, e impressiona a todo momento com sua enxutez, ritmo e sensibilidade, ao que Almodóvar responde com uma direção que só ressalta essas qualidades. Não é (nem parece) fácil o escrutínio moral cuidadoso que Pedro faz, e isso engrandece o filme com complexos diálogos com os vários aspectos da vida - é muito fácil, por outro lado, se envolver, mesmo que as situações nos filmes não sejam nada usuais. Aqui a tragédia é parte da vida, assim como as complexidades, ambigüidades, diferenças, segredos, surpresas. Tudo que surge como elemento do texto se torna parte pulsante da vivência dos personagens, com os intérpretes respondendo a tais estímulos de forma emocionante. Dessa forma, a estética poderosa de Almodóvar consegue se fazer presente sem se fazer notar, e, quando acabamos por ver que a parede é amarelo-gema e os móveis, vermelho-sangue, parece algo absolutamente adequado, intrínseco às visões do dia-a-dia daqueles personagens assim com o roteiro o é às vidas deles. Afinal, assistir à vivência é quase oposto a viver.
*****

Se mais pro finalzinho, Akira se revela um filme criacionista, é apenas para engatilhar uma poderosíssima arma narrativa, que, nas entrelinhas, faz uma análise brutal do espinhoso tema religioso. A visão de uma criatura toda poderosa, toda sapiente e toda geradora, não só é ácida, como também diminutiva, apontando para um Deus que caiu de pára-quedas num Universo criado para conter um ser destrutivo e demente. Através do roteiro lotado de teorias mirabolantes (algo que esse filme lançou ao mundo e se tornou referência para animes seguintes), a história se desenvolve em ritmo supersônico, mas sem atropelar momentos relevantes para a encorpada narrativa - uma pena que os personagens permaneçam enraizados em estreótipos pra lá de preguiçosos, o que só torna o final, intendidamente emocionante, um tanto insosso.

Nada que não fique menos irritante em meio à animação esplendorosa e espetacular, impecável como representação da realidade e regada a um estilo futurista de cair o queixo. A direção tem uma força toda especial, pois Otomo não se limita a mostrar como as coisas são naquele mundo: ele também sabe explorar esse mundo da forma mais empolgante, com um uso de ângulos, movimentos e cores que, num filme live-action, mostraria impressionante manuseio de câmeras e fotografia. A música só engrandece, com uma presença notável, às vezes impositória, na cena, e, do começo ao fim, causa deslumbramento. O filme em si tem esse efeito a quem vê hoje em dia. Quanto a quem viu à época, não sobra dúvida, afinal, o filme se tornou referência inegável.
****¹/²

Há de se louvar a experiência de Sandro. O que ele faz, em termos morais, amorosos e sentimentais é de uma profundidade que poucos teriam coragem ou paciência para agüentar. Ou seria maturidade? Em A Aventura, a maturidade do indivíduo não está em cheque, mas sim a maturidade do homem perante códigos de ética e convenções do sentimento que são adotadas há milênios. Claudia também merece elogios apaixonados, pois consegue se entregar (a um homem, à alegria, à melancolia) de uma forma completa, sempre confusa em relação ao porquê de fazê-lo, mas nunca hesitante sobre a decisão.

Anna é o mote, mas some de pronto, procurando sua aventura sabe-se lá onde (talvez conseguindo, diferente dos outros), e não dá pra saber se ela queria ser o MacGuffin daquela procura, ou se simplesmente queria deixar tudo para trás. Se ela é tão similar a Claudia (ambas parecem precisar de seus momentos sozinhas, e ambas têm um claro vazio interior, ao qual parecem ser afeiçoadas), não deixou tudo para trás com tanta facilidade. No entanto, Antonioni escolhe Claudia e Sandro, que tentam se aventurar mas têm a presença fantásmica de Anna como ameaça - o diretor deixa claro a futilidade dessa lembrança ao não fazer Anna retornar, tornando a apreensão do público, preso às amarras formais (morais) do cinema (da sociedade), a dos personagens.

E enquanto Claudia vê a mulher desaparecida como perigo de perder o amor, Sandro, que se entregou pelo extremo sentimental oposto (e aí reside sua coragem, em viver duas mulheres como elas), só encontra o eixo com a cônjuge depois de um ato tipicamente masculino, e nada original. E, invertendo uma regra clássica (algo que o filme faz desde o começo), faz desse ato um começo. Um começo absolutamente atípico para o que, certamente, será típico dali em diante. Não por acaso, a beleza das composições e dos gestos dos dois brilhantes protagonistas (duas constantes nessa obra-prima) alcançam o pico no final, numa imagem em que o etéreo e o sólido se juntam em depressiva harmonia.
*****

Vestígios do Dia
Enquanto assistia ao filme de Ivory, algo começou a ficar estranho. Enquanto a trama se desenrolava, em meio a grandes diálogos e um belo roteiro, o personagem de Hopkins vai se tornando mais denso, embora não seja adequado dizer que o filme explora camadas do Sr. Stevens, pois isso seria intrusivo demais para o personagem. Ao fim, o incômodo se revela como a escolha narrativa de Ivory e Jhabvala, que tornam eventuais vários momentos que casariam muito bem com um ritmo mais etéreo de reflexão. Hopkins entende isso, e sua fenomenal performance está calcada em dois pilares, sendo um deles o catáter reflexivo de seu personagem, e enquanto Ivory e Jhabvala permitem isso, eles não dão ao filme essa mesma oportunidade de destacar-se do mundo externo que o ator alcança - a cena apoteótica é aquela em que ele é pego de conversa pelo afilhado do patrão, pois ele demonstra estar totalmente imerso em si, e seus serviços, mecânicos, não interrompem sua violenta reflexão em momento algum. Eles preferem uma formalidade narrativa convencional, que pode não ser incoerente, mas que faz o filme ganhar de um lado e perder de outro.

O diretor e o roteirista perdem a chance de criar curiosidade, de fazer o expectador querer entrar na mente de Stevens, pois deixam, paradoxalmente, que a trama da Segunda Guerra se forme muito clara e intrusiva, enquanto não há nenhuma ressonância narrativa sobre a relação disso com o mordomo - a direção de Ivory surge convencional demais para impor à narrativa as elipses e lacunas que o teriam feito mais coerente. Apesar disso, é absolutamente inegável que o que importa, a relação de Stevens com a Sra. Kenton, salvo uma cena, é tratada com sutileza belíssima (a cena do ônibus é excepcional por mudar a perspectiva), e conta com a resposta forte de Thompson, que dá profundidade e uma postura totalmente correta a seu ótimo personagem. Também é necessário ressaltar a trilha sonora, formalíssima e austera, por baixo da qual uma melancolia habita sem subir à superfície, assim como a vida do Sr. Stevens, em que Hopkins encontra o outro pilar de sua atuação: a violenta, repressiva dignidade a todo custo.
***¹/²

Revi Entrevista com o Vampiro, e caiu mais ainda no conceito - antes eu achava um filmaço, revi e achei um ótimo filme, e agora acho um filme bom. Os anos 90 realmente ser dominados por filmes de época de narrativa inadequada, já que até esse filme, que tenta fugir de convenções com bastante força, cai numa passagem de tempo ineficiente e pouco inspirada. Há a tentativa de fluidez, com acontecimentos engatados um atrás do outro, mas a passagem das décadas, séculos, é comprometida em certo grau. Mas é a dramaticidade que mais perde, com, por exemplo, o "retorno-dos-mortos" mais abrupto e apressado que já vi. Bia Falcão teria muito a ensinar para Tom Cruise.

Aliás, ele está bem, disfarça certas limitações com um despojamento que ajuda a compor a figura de Lestat, e se Banderas e Pitt estão também bons (ou seja, sabem incorporar um charme sobrenatural e uma dramaturgia o.k.), é Dunst que se sobressai, roubando as cenas de todos os seus famosos (e formosos) colegas de trabalho, impondo a força e revolta que Louis demora a alcançar e que Lestat já transformou em humor negro. Para os que adoram o sangue poético de Sweeney Todd, aqui ele ganha uma conotação bem diferente, mas igualmente forte em significância. Menção honrosa para o figurino, que só torna os vampiros criaturas mais sensuais ainda.
***¹/²

Terra de Ninguém
Quem precisa de explicações? Quem precisa de psicologia cinematográfica, aquela mania de achar que ações têm de ser profundas, como se camadas e camadas de psicose fossem tornar um ato mais complexo? Dirigindo como se fosse Monica Vitti, Malick acompanha uma jornada surreal que, em seus momentos mais libertadores, parece uma irresponsável viagem sem objetivo. O filme quer constantemente se desatar de grilhões, assim como seus personagens, que agem de forma totalmente impulsiva, sempre fugindo de pessoas para que tenham "liberdade para se libertar" das decisões prévias e planos que acometem a mentalidade de todos - não à toa, o clímax é o momento mais poderoso do roteiro, em que a impulsividade atropela um momento-chave e não se torna clichê.

No que soa constantemente como improviso, o roteiro acompanha Holly e Kit em lugares cada vez mais vazios e ricos em opções, na visão do casal, que o diretor adota com paixão. O olho sublime de Terrence está sempre atento às paisagens, aos pequenos elementos do ambiente, do céu, da terra, da água, pois sabe que neles reside a liberdade dos protagonistas. É algo natural, porém, uma visão comum, sem um porquê de existir, uma beleza que sempre esteve lá e está sendo capturada em tempo real. Essa é a metáfora mais forte para a libertação de Kit e Holly, que nem sempre toma rumos esperados, mas sempre soam sinceros, inocentemente irresponsáveis, ao que a trilha sonora abraça a polêmica escolha.

Os parcos diálogos e as atuações enxutas de Spacek e Sheen são constantemente interpelados pela direção e pelo roteiro, que os apequenam, em voz e tamanho, para valorizar as ações e imagens, como se o que eles dizem não tivesse muita importância. Mas a capacidade de esmiuçar suas personalidades sem pseudo-psicologia torna o ato de deixar os diálogos em segundo plano quase irônico, como se Malick oferecesse uma visão "abrangente" e factual para os acomodados. Embora não acerte sempre, a narração faz parte desse belo jogo simples-complexo.
****¹/²

O Dia Em Que A Terra Parou (2008)
Fica bem difícil decidir o que é pior na grande bomba do novo ano (menos de um mês, e já é difícil dizer que algum filme no ano inteiro conseguirá ser pior), então é mais fácil ir por partes:

Efeitos Visuais: Bem o que importava já começa mal. Seja por GORT, que parece 10x mais falso que um chinês de dois metros e meio vestido com uma roupa de látex, seja pelos insetos mais mal feitos (e simplesmente imbecis) que uma empresa de FX já teve o desprazer de criar, quase nada funciona. Não tiro, no entano, o mérito da bonita bola de gude gigante, que parece ter algo dentro, mas resolve seguir o estilo do filme e só se perfazer. Menção honrosa para telas verdes mais orgulhosas que eu já vi.

Trilha sonora: O trilheiro safadinho conseguiu contornar as ordens ("Queremos música que não faça diferença nenhuma no filme"), e em alguns momentos, conseguiu fazer faixas assustadoramente estapafúrdias. Ponto pra ele e pro filme!


Edição
: Se John Cleese já não estivesse se envergonhando o bastante com seu personagem eviscerado e mutilado (figurativamente, eu acho, não deu tempo de reparar no físico do... cientista?), o editor resolveu cortar as falas importantes(sic) como se fosse um programa de culinária, para não perdermos nada. Claro que os fade-outs e a cadência das sub-sub-tramas (1 sub por serem menores no filme, e outro sub por serem menores em termos absolutos) são matematicamente calculados para dar vida às cenas. Isso é alcançado tornando tudo tão desconjuntado que parecem centenas de filmes colocados um atrás do outro.

Elenco:
*Ok, Connelly, nós sabemos que você queria só a grana... mas dar um sorrisinho de sabichona na primeira e última cena em que você se mostra importante já é forçar amizade.
*Sr. Cleese, acho que, mesmo vindo de lugar nenhum e indo pra merda em 5 minutos, deu pra ver que era você.
*Bates, inválidos devem ganhar dinheiro mais digno. Incorpore Annie Wilkes e marrete seus próprios pés pra parar de sofrer.
*Hamm, morrer no final tava no script, mas não deu tempo de trocar umas beijocas com a gata de olhos azuis ao seu lado? Se fosse você, eu xingaria esse roteirista ousadíssimo.
*Chandler, você não é mais bonito que Adrien Brody.
*Smith Jr. ... limpa esse nariz.

*Keanu, dou meus parabéns por fazer algo que nenhum outro ser humano conseguiria ter feito: segurar o riso ao dizer aquelas falas. Mas um pouco de sexo ajudaria nessa carranca, fica a dica.

Direção: Sabe quando um diretor tenta criar um plano bonito e quase chega lá? Bom, Derrickson erra o gol tão feio, mas tão feio, que chega a dar dó de ver que ele tentou.

Roteiro: O tchauzinho de GORT, que se transforma em N mols de cupins daquele episódio do Pica-Pau e resolve brincar de esburacar a Maçã, é a metáfora perfeita: o script (na metáfora, o robô, saca?), que já não era lá muito convicente e interessante, vira uma massa de bichos geográficos que não têm ligação nenhuma (como os elementos da trama(, resolve atirar pra todo lado pra não ter como errar, erra mesmo assim, nas partes e no todo, e escurecem o céu que contém a resposta que todos na sala querem saber:

QUE DIABOS EU TÔ FAZENDO AQUI?????

Não tem como comparar a elaboração da Pixar com a da Disney. Se fôssemos colocar a inteligência de Wall•E perante a de Bolt, o vencedor ia ficar claro em 5 minutos de projeção. Mas não é na inteligência que o filme do supercão ganha pontos, e sim em sua excepcional execução e no claro apelo infantil. Não faltam sacadas espertas e oportunas, jogos entre gêneros cinematográficos e temas interessantes, mas é com o excelente senso de humor que essa produção cativa seu público-alvo. Os personagens, ótimos, fazem sua parte gloriosamente, evitando inclusive uma caracterização irritante de suas “maluquices”. O que não dá pra evitar são os clichês, numerosos, e uma mensagem pra lá de batida, e já que estou nos pequenos problemas, ainda devo citar a trilha sonora, bem mais derivativa que o esperado.

Por outro lado, temos grandes cenas de ação (algo que o filme pede), uma narrativa enxuta e graciosa, uma deliciosa brincadeira anti-prosopopaica (mais interessante ainda que a vista em Os Sem-Floresta) e um fator-fofura altíssimo, cena após cena conquistando a platéia através de seus animais fofos, que se tornam mais que isso: personagens muito bons e bem explorados. Mittens e, principalmente, Rhino vão ganhando charme durante a projeção e conseguem escapar da armadilha fácil dos alívios cômicos. Por sinal, é uma surpresa que um gordinho fanático e hiperativo surja como um personagem divertidíssimo, e o mesmo pode-se dizer da gata com mania de pé-no-chão – o roteiro dosa muito bem as características mais potencialmente chatas dos dois. Não que os alívios cômicos reais, os pombos, não sejam excelentes, pois servem como comentário passageiro para a vida na metrópole – o sotaque paulistano foi um toque hilário.

Embalado num visual maravilhoso, seja pelas formosas pinturas que substituem cenários digitais ou pela excelência da renderização computadorizada, Bolt encontra sua grandeza na simples (e ao mesmo tempo nada simples) capacidade de envolver e divertir.
****

Extra, extra, extra! Com vocês, o IMAX. Assisti a Fundo do Mar 3D numa tela de 14m x 21m, e a experiência realmente é digna de menção. O atrativo de ser um filme em 3D faz tudo mais espetacular, tornando a sessão um evento de realismo e envolvimento consideráveis. Há uma confiança no sublime das imagens, pois não há muitos daqueles sustões de sempre, e isso merece elogios. Mas a beleza dos eventos filmados não causa a estupefação ao qual o filme almeja, e outro tipo de confiança pode ser culpada.

Eu, que assisto a documentários da vida selvagem com relativa freqüência, só posso lamentar a pobreza absoluta do texto que Kate Winslet e Johnny Depp narraram na versão original, e tenho de associar essa pobreza à certeza que os produtores tinham de que o espectador estaria maravilhado demais com o que está vendo para prestar atenção nas palavras. O problema é, tampouco as imagens são exemplares. Têm seus momentos de simpatia e beleza (a noite de reprodução dos corais) e ganham uma dimensão estarrecedora em IMAX, mas, diversas vezes, sofrem de uma banalidade um pouco cansativa. Danny Elfman às vezes exagera ao tentar espantar esse cansaço, mas cria composições belas, e os efeitos sonoros, nada sutis, também ajudam a tornar extra-ordinário algo que de extra pouco tem.

Ao final, que não sei se chega tarde demais (já que o documentário não é grande coisa) ou cedo demais (40 minutos é uma metragem decepcionante), acabei fazendo uma cisão, separando o filme em duas experiências distintas: uma, a de assistir ao que o filme é, um registro da vida marinha; a outra, a de desfrutar de um avanço tecnológico que visa tornar o espetáculo cinematográfico algo tão grandioso quanto uma certa imagem de um trem indo em direção à platéia. O primeiro, Fundo do Mar, é fraco, mas a relação com as imagens e com o diferente estilo de assistir um filme que o IMAX (mais a tecnologia 3D) proporciona, é uma grande promessa para o espectador.

Fundo do Mar: **
A Experiência IMAX: ****


Apocalypse Now Redux
Como se não bastasse o niilismo violento que torna Apocalypse Now um filme paradoxalmente chocante, o filme ainda se propõe a tornar complexa essa relação do homem com a guerra, fazendo uma escalada moral, temporal e psicológica que conecta todos nós à loucura absoluta. Por exemplo, o personagem de Sheen dá de cara com inúmeros cenários de batalha, e todos os militares parecem loucos - exatamente a característica-chave do homem que ele deve assassinar. Ele começa a ver Kurtz como um homem razoável, perante toda aquela loucura. Chegando lá, num confronto cósmico, ele se vê de cara com um Brando inteiramente possuído por um demônio xamânico, e não é capaz de julgar aquilo.

O homem parecia mais lúcido que os outros, e em partes, ainda parece. Mas lá, em sua iluminação demente, o General se tornou a apoteose da loucura, da crueldade, do real espírito do ser humano quando confrontado com a natureza desesperadora do mundo de que veio. O homem só pode perder a razão quando deve encarar a realidade que nossa raça tanto se preocupou em afastar com um escudo civilizatório. Longe de justificar a guerra ou as crueldades menores, Kurtz e os outros comandantes que surgem antes dele provam que cada um reage ao horror de um modo diferente, mas nunca natural, louvável, ou digno das inescapáveis medalhas que receberão. Um homem que mergulha em seus instintos se torna um animal, e o que Apocalypse Now traz é a visão do horror supremo: a irracionalidade da natureza, a incompatibilidade do homem com esta. O resultado? Algo muito mais grotesco que um sacrifício animal (mata-se a besta, e nada muda) ou a Lei da Selva. As tortuosas ramificações e os monstruosos poderes da sociedade regidos por uma completa e absoluta arbitrariedade.

Um soco no estômago sem tempo de respirar: não podemos mais voltar para uma natureza que nos tornaria "humanos". Devemos viver com nosso mundo desfigurado. Cruel? Não. Justo.
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