domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Cães de Aluguel
Faltando "só" Jackie Brown e À Prova de Morte para eu fechar a filmografia oficial do Tarantino, já acho que é válido dizer: Cães é o meu preferido. O que são aqueles diálogos, dando uma vida extra-plot que 99% dos cineastas nem consegue arranhar? O que é aquele trabalho de câmera, que nunca tenta se disfarçar e investe em tomadas primorosas? O que é o elenco, encabeçado por Keitel e Roth em performances apaixonantes, quase tocantes, e coroado com Madsen tomado por um ar assustadoramente charmoso? Eu sei. É o Cinema e os anos 90 indo ao altar com promessas (e muitas provas) de tornar-se uma década genial para a Sétima Arte.
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A Encantadora de Baleias
Choque de gerações, conflitos iniciados pela tradição. Temas mais do que batidos, mas, quando usados com paixão pela proposta, podem resultar em pequenas jóias como o filme de Niki Caro. O que se sobressai aqui é a narrativa, que corrobora lendas tidas como só isso, fantasia ancestral. Mas, em vez de usar elementos fantásticos dentro de uma trama real, o filme faz questão de soar como um conto mitológico, sem tentar explicar a criação do mito, optando apenas por contá-lo da mesma forma poética e acachapante que fez milhares de outras fábulas e contos lendários sobreviverem ao tempo.

Sem facilitar, a roteirista não escancara esse ode tão cedo, deixando claros os danos que a tradição (especialmente uma tão antiga e machista) traz para a sociedade. Paikea, em sua relativa androginia, surge terna, feliz com sua relação com o avô, demonstrando uma atitude menos feminina - indicando uma criação diferenciada. No entanto, sua voz é totalmente diferente ao entoar os cânticos, demonstrando uma imposição não consciente, muito menos inocente, mas totalmente inescapável em relação às regras tradicionais. Encabeçando o ótimo elenco (salvo o mediano Curtis) com uma performance espetacular, Castle-Hughes mostra essa passividade, essa incapacidade de mudar, através de olhares distantes, como que sempre procurando algo no mar, quase perdidos em sua inevitável melancolia. Tudo que ela faz é tão culpa dela quanto a morte de seu irmão gêmeo ao nascer. O roteiro usa o destino sem pudores, como carro-chefe da história, e alcança excelentes resultados - e mesmo a didática trilha da incrível Lisa Gerrard traz pura luz a essa cativante história. Os conflitos dramáticos estão longe da perfeição, sim, mas é um dos poucos problemas sérios do filme.

A conciliação entre tradição e mudança é previsível, mas é o mote do filme, um anúncio feito, embora mais sutilmente que o normal (com conflitos que drenam a esperança de Pai, que só tem o destino a seu lado), bem cedo na narrativa. Logo, na cena de tirar o chão que é o discurso ao avô, os elementos mitológicos atacam com força, pegando a platéia (assim como a comunidade de Pai) de sopetão. A tradição é o respeito ao mito ancestral, e A Encantadora de Baleias mostra que tradição pode se aliar a mudanças, quando uma lenda sofre uma mutação a olhos vistos. E num filme tão ligado à tradição, a menção honrosa vai a Vicky Haughton, excelente no papel da avó da protagonista, que mostra um posicionamento não bom, nem ruim, mas humano perante tudo isso. E só ressalta, comparada à neta, como esta é algo além.
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Harry Chegou Para Ajudar
Premissa interessante, ator promissor, e outras palavras que parecem muito com "omissão" são adequadas, pois é mais ou menos isso que os realizadores fazem com a trama. Bastante similar ao patético O Oculto, que vi na última Mostra de SP, esse thriller, no entanto, sabe explorar melhor um ótimo ator: Sergi López, de O Labirinto do Fauno. Conferindo ao (err... spoiler?) psicopata uma maneira de andar diferenciada (algo notável no filme de del Toro também), e injetando uma simpatia que poucas vezes soa caricata, López se sobressai mesmo quando o texto de onde seu personagem surge não colabora, dando credibilidade e intensidade a Harry e alimentando um clima bizarro (e às vezes intencionalmente hilário) em várias cenas.

Por outro lado, o roteiro tenta soar especial, revelando cedo a natureza do personagem-título, deixando solta sua motivação e usando de um desfecho anti-climático coerente com o protagonista Michel, e não consegue. É inegável que a previsibilidade reina, que o final, por mais ambígüo que tente ser, é na verdade uma variação em metalingüagem mas a mesma patacoada de sempre - dá para imaginar muitos outros caminhos mais interessantes para a trama, especialmente com um tema tão bem-explorado como a escrita e um personagem tão frágil (no bom sentido) como Michel. Infelizmente, se López é um bom ator em um personagem O.K., o oposto deve-se dizer de Michel. Em partes. Seu personagem é fraco, mas isso é seu diferencial, e consegue ecoar durante o filme todo, normalmente com resultados bons, mesmo que a trama não melhore. No entanto, Lucas e sua carranca raramente convencem, ao passo que sua inexpressividade obstrui outro caminho para uma boa atuação. Conseguindo ainda a façanha de não ter uma cena de tensão sequer (tá, eu dou a cena da perseguição), a direção de Dominik Moll ao menos acerta no tom de estranhamento constante que a família sente com a presença do intruso. Mas uma indicação em Cannes, uma no BAFTA, e 4 Césares não querem dizer muito nesse caso.
**¹/²

Sobre Meninos e Lobos é um luto. A escolha de iniciar o filme pela cena do carro não é apenas sóbria (descobri-la ao longo da narrativa seria uma chatice), é essencial para delimitar a área de atuação do roteiro, introduzindo a morte para se enveredar na lamentação subseqüente. Também providencialmente, o assassinato é revelado ao espectador, através da nervosa (e nunca exagerada) edição, antes mesmo que Jimmy suspeite, para fazer a metalingüagem com a morte não-percebida dos três garotos quando Dave foi levado. Foram necessárias décadas para que isso fosse notado. E enquanto Eastwood usa uma misè-en-scene vigorosíssima, uma verdadeira teia de olhares silenciosos, enquanto Robbins carrega toneladas de passado e luto em seu corpo e mente, enquanto Penn abraça o seu lamento como quem vê nele o último elo com a filha perdida, enquanto Bacon sofre suas perdas sem nenhum consolo externo, enquanto Gay Harden e Linney interferem nas feridas de formas totalmente opostas (com ambas vendo seus gestos acalentadores desabilitados), e enquanto a fotografia cria uma paleta assustadoramente melancólica, o filme se origina numa tragédia apenas para terminar com outra, culminando numa das cenas mais cheias de significado dos últimos anos.
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Em dado momento de Um Táxi para a Escuridão, é descrita a seguinte cena: um homem está sendo torturado por ser suspeito de ter ligações diretas com o terrorismo, e é pressionado a dar informações, dizer o que sabe. Ele diz que o governo iraquiano tem armas químicas e biológicas. Mais que depressa (e essa, e as seguintes frases são similares às usadas por quem conta o caso), os homens cessam a tortura completamente* e correm a transmitir a informação, sem se dar ao luxo de averiguar qual a veracidade e quais os detalhes do que foi dito. Mas não é apenas a ineficiência da tortura, que pode produzir confissões absolutamente falsas baseadas no que o torturador (não só o algoz físico, mas o que dá as ordens, o que pondera as ordens, o que aceita passar as ordens), pois esse é o mote do filme.

O que mais chama atenção é o tom em que isso é dito. É uma reprovação, mas não reprova só o resultado da informação errônea: em um ato falho sutil, há clara intenção de dizer que a informação deveria ter sido confirmada. Em outras palavras, a tortura deveria ter continuado. E essa culpa, indelével, presente em quase todos os entrevistados no documentário, é o que salta aos olhos, com uma coerentíssima análise da reação de várias camadas da sociedade quando confrontadas - ou manchadas - com a tortura. E o fato de o filme usar de ironias do modo que elas surgem, clara e cruelmente, só intensifica a experiência. É bem incerto o porquê de certas cenas didáticas (quando há tantas imagens realmente chocantes), e sobram os momentos finais de sentimentalismo, quando há tanta pungência e rigor moral na análise de Gibney.

Não que seja fácil, moralmente. É desafiador ver-se de frente com algo que é feito há milênios, e que é necessário no mundo de hoje. Mas mais difícil é olhar para os rostos vivos dos acusados, e ver imagens de arquivo dos intocáveis responsáveis por uma brutalidade (maior? equivalente? diferente?). Mais uma prova da inteligência monstruosa do Homem.
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Talvez mais genial que as tramas que seus personagens tecem, Ligações Perigosas adota uma moral definida, especialmente cm comparação àquela que comandava a Paris retratada. Não há, noesse mundo, pessoas sem segundas intenções, sem malícia, sem envolvimento em sagazes tramas, e o melhor: não há ninguém que não saiba sobre elas. A vida social da burguesia parisiense é por definição crivada de intrigas e imoralidades que preferem não desafiar, mas desviar elegantemente (sempre elegantemente) dos códigos de ética em voga. Mesmo a casta Cecile pouco demora para aprender a utilizar a moeda de troca do submundo da alta sociedade.

Não há espaço para bondade pura, uma pessoa ou usa de meios ou quer chegar a objetivos reprováveis, e Madame de Tourvel é a única que escapa da regra - em partes, ou melhor, não, se considerarmos a brilhante analogia entre o Visconte e a dama, em que vemos ambos abrindo exceções em todo um modo de vida pessoal. O final é brilhante, mesmo com uma declaração um tanto longa do Visconde, por causa dessa brilhante comparação, e não raro, de maneira absolutamente orgânica e elegantemente sutil, vários outros subtextos podem ser encontrados no excepcional roteiro.

E é neles, e nos outros que só gente física pode encontrar, que o elenco se esbalda, cruzando olhares que significam mais que qualquer frase, usando de pequenas, sutis expressões para denotar toneladas de sentimentos, mudando quase que imperceptivelmente a entonação de voz (Malkovich, quando mente), personificando os sentimentos de orgulho de toda a população feminina (Close, que diz tão pouco, que em certaz cenas, como a da guerra, causa arrepios genuínos de intimidação), sofrendo como uma verdadeira mártir (Pfeiffer, que ainda consegue se conter), saboreando uma desavisada reificação pelo prazer que ela traz (Thurman, uma lolita perfeita), e isso é resumir brutalmente elementos grandiosíssimos. Como a habilidade de Frears em modelar de forma exímia um filme odiosamente delicioso como esse.
****¹/²

Ontem revi Terror em Silent Hill, e caiu um pouco mais (cada vez piora), mas ainda gosto imensamente da direção, dos temas abordados e do visual. E do elenco feminino, que salvo a aceitável Mitchell está consideravelmente bom. Mas também não dá pra negar os diálgos, todos abaixo do nível do aceitável e o roteiro pessimamente executado. Mas a trilha sonora, a coisa mais fiel à fonte num filme que mudou bastante a trama original, dá toda a alma que nem o serviço porco de Roger Avary consegue estragar. A mudança do objeto de culto dos fanáticos é no mínimo interessante.
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Cabei de rever The Rocky Horror Picture Show. Filme cult que merece a alcunha. O Doutor Frank-n-Furter de Tim Curry é um dos personagens mais geniais do Cinema, os números musicais são um arraso e a esculhambação de gêneros, com direito a um roteiro que se perde a cada 5 minutos num samba do crioulo doido, me dá orgulho de ter esse dvd na minha coleção.
****¹/²

Revendo Eu, Robô, ficou claro que a opinião de antes (filme massinha) era inadequada. Dirigido com uma preguiça inócua por um diretor que já provou ser muito mais, a produção às vezes se salva como ação, e como bela vitrine de efeitos visuais de alta qualidade - destaque para o David de A.I., Sonny, o mais interessante uso do caro CGI. O visual também é interessante, acertando na direção de arte e na paleta, mesmo que não chegue nem perto de ter uma fotografia digna de menção. Smith se vira (ou não) num papel cheio de firulas que num bom filme seriam justamente chamadas de "desenvolvimento de personagem". Aqui, o herói-que-sabe-de-tudo-desde-o-início-porque-pensa-diferente-de-todos consegue até uma piadinha, que não salva nada e provavelmente piora a situação constrangedora. O braço mecânico, a visão da não-humanidade dos robôs, tudo funciona como conceitos, mas, graças a um roteiro pedestre, quase nada chega às telas como resultados aceitáveis. Para não dizer que não falei das flores, o uso das Três Leis da Robótica é bom, dando liga para uma trama que começa promissora, mas logo o roteirista abandona tudo (o mesmo pode ser dito de quase todos os envolvidos) para mergulhar de cabeça numa piscina vazia.
*¹/²

Cantando na Chuva é uma aula de diversão. Não só teórica, embora a discussão constante do mundo do entretenimento Hollywoodiano seja espetacular, cheia de pequenos detalhes e nuances (e grandes acontecimentos igualmente) que fazem o filme uma apaixonada aula de história do Cinema. Retratando os bastidores da sétima arte pelos olhos de uma das maiores indústrias cinematográficas do mundo, o clássico de Kelly e Donen ganha em frescor e em inteligência, informando, divertindo, inspirando curiosidade, divertindo, ensinando, divertindo...

E a aula continua metonimicamente, pois a parte prática da lição é o próprio filme (o plano final é particularmente feliz por isso), uma diversão atemporal de primeiríssima qualidade, com direito a um humor impecável (O'Connor é o personagem mais delicioso dos últimos tempos), números de dança espetaculares (dá até para reparar nos estilos diferentes de O'Connor e Kelly, que rouba a cena com seu charme e linguagem corporal), mesmo os de menor escala, e um positivismo tão contagiante que só A Noviça Rebelde consegue superar. Reynolds está excelente num papel apaixonante, Hagen evoca Norma Desmond para criar uma víbora a um passo de cair do pedestal, e Mitchell consegue, com austeridade incrível, entrar na proposta escandalosamente divertida. Junte-se a tudo isso músicas que causam sorrisos involuntários e um ritmo supersônico, e teremos um musical do jeito que não se faz mais.
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The Graduate é maravilhoso. Dustin em sua melhor performance que vi até hoje (reza a lenda, graças a um pedido por parte de Nichols de "não atuar" nas cenas), Bancroft fatal nos olhares, palavras e gestos, diálogos recheados de frases poderosas ("Você está armado?") e reveladoras (só num filme desses algo como "Porque eu não gosto de você" seria levado tão a sério), e uma narrativa ditada pelos personagens dão os tons diferentes de um filme tão complexo quanto as pessoas que apresenta. Se algo se sobressai mais ainda, é a direção arrasadora de Nichols, num exercício de planos, câmeras e montagem de que Hollywood certamente se orgulha até hoje. A trilha de Simon e Garfunkel não pode ficar de fora, com canções belíssimas que pontuam o filme de uma forma perfeita. O happy-ending ainda tem a decência de se deixar observar por alguns segundos, numa ponderação curiosa daquela conclusão.
****¹/²

Talvez o que há de mais fascinante em Marcados pela Sarjeta seja o timing quase irretocável do magnífico Robert Wise. Talvez seja a qualidade constante da comédia. Talvez seja a pungência do drama. Talvez seja a caracterização impressionante de Paul Newman. Ou talvez seja a qualidade homogênea de um elenco que nunca fica à sombra do astro. O fato é que essa pequena jóia de 1956 é uma peça de excelente Cinema, cheia de tiradas inteligentes e sustentado por uma narrativa de primeira. Wise sabe muito bem onde cada engrenagem funciona melhor, e não hesita em iniciar o filme como uma irresponsável comédia sobre... um grupo de irresponsáveis.

Wise sabe que a vida extrema de Rocky tem um padrão tragicômico, e não romantiza a situação difícil das ruas de NY. Sua mãe (Eileen Heckhart, num papel maravilhoso e atuação idem) só faz lamentar, e o filho só responde com um "Não se preocupe!" ingênuo, quase ignorante. A ignorância parece rondar o protagonista, que nunca se atém a regras e condutas, sempre fazendo o que quer, o que normalmente significa despejar sopapos em quem o incomodar - mais um sinal de que não há nada de inteligente no jovem.

Enquanto ele cresce, tanto em idade quanto em vivência, vemos o mesmo homem tomando as rédeas da vida, mas não através de cultura ou esforço para mudar. Ele dita a vida profissional, o boxe, através de seu ódio, e a emoção oposta, em igual intensidade, o torna uma pessoa afável, que DeNiro pouco reconheceria em 1980. Aliás, há muitas semelhanças com muitos filmes: Touro Indomável, Menina de Ouro, Laranja Mecânica (ele se esforça para "andar na linha", mas isso lhe é negado), qualquer filme em que DeNiro é um ítalo-descendente (que tem clara inspiração na personificação gritalhona e desleixada de Newman), são grandes obras que reconhecem as qualidades deste pequeno clássico.

Nada é perfeito, então ressalto que a edição e suas elipses bruscas se encaixam perfeitamente em alguns momentos, e nem tanto em outros, e a trilha sonora não soa nada bem - tanto que sua absência em algumas cenas é um grande acerto. Não obstante, várias seqüências são inesquecíveis, como a triste cena da visita da mãe, a linda e hilária chegada de Rocky após sua primeira derrota, o tocante encontro de pai (Harold J. Stone, ótimo) e filho, a luta final, filmada de forma agoniante (o diretor usa uma catarse momentânea de modo impecável), e mais... Acompanhado por sacadas geniais ("Não é minha culpa que ela está grávida!") e diálogos sensacionais (é de arrepiar o que a mãe de Rocky diz a Norma em dado momento), esse filme não pode ficar de fora de nenhuma vida de cinéfilo. Fãs de Paul Newman, especialmente, verão nessa bela obra uma grande oportunidade de ver em total glória o distinto ator.
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Segundo na mostra especial de filmes com Paul Newman, vem Roy Bean - Um Homem da Lei, uma diferença brutal, já que Marcados pela Sarjeta é um baita filmão, e esse é fraquinho. A direção de Huston começa bem, entrando perfeitamente na linha "faroeste em live-action inspuirado nos Looney Toones" (completo com um vilão albino hilário), assim como todo o elenco - cujo grande destaque é, claro, Newman, que tem algum espaço para explorar a divertida proposta; sem falar em Perkins, totalmente à vontade num papel divertido. Infelizmente, detalhes como a incomum narração em off começam a fraquejar, já que esta é uma boa idéia que é pouquíssimo explorada. Igualmente a idéia de ridicularizar a Lei estadunidense da época é sub-aproveitada, e o roteiro foca apenas o absurdo das leis o Juíz Roy Bean. Mas o prego no caixão é com certeza o final, uma escolha ridícula do roteiro em dar um tom elegiático ao que, até a hora e meia anterior, tinha sido tratado com acertada ironia. Fica até clara a confusão perante o fim da narrativa, com a morte mais importante do longa nem sugerida, conclusões que não se sustentam e uma tentativa constante em reparar a cagada anterior, alongando os últimos minutos de forma sofrível.
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Eta filminho chato de comentar. Buffalo Bill, de Robert Altman, é cheio de ambições, querendo denunciar, de uma tacada só, o estrelismo exacerbado (numa jogada anacrônica que funciona) e a política norte-americana. O primeiro é bem desenvolvido, com o carisma gigante de Newman sendo posto de novo em bom uso (embora o filme tenha problemas um tanto sérios de foco em relação ao protagonista), participações sempre engraçadas de sopranos que vivem 24 horas por dia cantando e um Harvey Keitel panaca de dar dó. Quando os índios entram na jogada, o tom irreverente é abalado, e o filme não resolve tornar a postura dos índios nem solene, nem cômica, e balança numa corda bamba que torna vários momentos arrastados - o que é uma pena, pois Altman tinha Sampson e uma ótima caracterização do Touro Sentado a representar esse fascinante povo. A política cai de pára-quedas, e consegue alguns bons momentos, especialmente quando é vista como um baile de máscaras tão carnavalesco quanto o espetáculo de Buffalo Bill, mas, dada a importância do tema e a potência das idéias, é assás sub-aproveitada. O filme no geral é bem perdido, foca em coisas que não acrescentam nada, e só ganha quando desenvolve o papel de Bill e sua síndrome de pop-star.
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Butch Cassidy e Sundance Kid é daqueles filmes de se ver sem ter idéia de como é. Fui assim, só conhecendo o elenco e a identidade bandida dos personagens-título, e foi delicioso descobrir uma obra sensível e cheia do mais certeiro humor. A química entre Redford (numa atuação grandiosa, sempre pondo um pé em vários estereótipos e tirando logo em seguida) e Newman (que cativa com litros de carisma e uma auto-confiança que sai do lugar comum do bandido durão) é o que sustenta todo o clima do filme, permitindo criar todo um castelo de boas escolhas - não que sejam todas fáceis. O tom cômico já não é nada fácil de costurar junto da seriedade da vida dos protagonistas, mas Roy Hill acerta na mosca, balançando um aspecto seco - principalmente através do primoroso desenho de som, que predomina num filme de pouca música - com a leviandade com a qual os dois levam aquela vida - canções como "Raindrops Keep Falling On My Head" são a oposição perfeita.

Mas o movimento é de dentro para fora, com o espirituoso humor surgindo de Butch e Sundance e batendo de frente com a realidade bruta do Velho Oeste, ressaltando que a escolha "incoerente" quanto ao ambiente foi tomada pelos personagens - a tomada final, apoteótica, diz tudo. E mesmo com um conteúdo excelente, a embalagem também impressiona, com câmeras ágeis e inventivas e uma fotografia tão cheia de composições belas que até mesmo aquela paisagem violenta parece um lugar sublime para se viver. E a máxima do filme é exatamente essa: é um lugar sublime para se viver. Qualquer lugar é um lugar sublime para se viver. É só saber se virar, mesmo que isso signifique aprender um pouco de espanhol. Butch e Sundance passam uma imagem irresponsável, fazendo de Etta uma figura tão séria quanto um homem-da-casa. Não tem como a quebra de convenções ficar mais saborosa do que nesse filme.
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Se um filme tem o poder de mostrar como as pessoas destróem seus semelhantes, quase como um conto de alerta, esse filme é Desafio à Corrupção. Os olhares que são disparados pelos recintos no começo do filme parecem conter alguma tensão ou conselho, camaradagem ou alerta amigável, mas logo fica claro que tudo que os olhos trazem é informação, dados, estatísticas, fatos e ponderações totalmente frios, desprovidos de significado que não seja absolutamente calculista. A derrocada Eddie Felson (Newman, descascado de charme, revelando uma amargura aguda) é mostrada com calma, não com a calma bondosa de roteiristas ou diretor que quer saborear os últimos momentos humanos de um personagem, mas uma calma gélida, focada em compreender o processo nada simples que leva ao desfecho arrasador. Nada é gratuito no roteiro, e o que é explicitado só o é por bons motivos.

Pode-se argumentar que o filme "deixa de lado" muitas ponderações poderosas, e que só dá voz ao que há de mais básico e simples nas vidas dos personagens. Mas isso reflete a sensação pavorosa de se ver, de repente, morto, seco por dentro, e não ter tido a sensatez - ou sensibilidade? - de perceber enquanto esse processo de destruição interna ocorria. Os monólogos deixam os resultados e as causas mais óbvios à mostra, pois é o espectador o encarregado de ver as nuances da dolorosa trajetória de Felson. Auto-destruição, no entanto, não é só o que testemunhamos, pois Sarah surge (Laurie, intensa em todos os níveis) como uma vítima direta da vida que o protagonista almeja viver. Não há piedade ou perdão; se ele não sabia o que custaria para ser o que queria ser, não há alento nem na ignorância. Há o vácuo da vitória, o copo vazio - que, cheio da bebida certa, torna todos humanos, pois derrotáveis -, e o dinheiro, o dinheiro e a glória, combustíveis do não-Homem há séculos. Impensável sacrificar, em favor de um texto mais fluido, Scott, um arrepiante mentor, e Gleason, com suas nuances recrudescidas.
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