quarta-feira, 26 de novembro de 2008

4

Quando as Metralhadoras Cospem
Puta filminho divertido dos diabos, com um monte de musiquinhas viciantes, um design de produção em miniatura (aqueles carros, oh my gooood) e a clara sensação de que tudo é bagunça - só ver como acaba o furdúncio. Mesmo com bilhões de personagens que aparecem rápido e somem mais rápido ainda, vozinhas irritantes e um bando de situações aleatórias, eu acho o máximo! Clássico caso de "amo-até-os-defeitos".
Nota 8.

Feliz Natal
Pequeno grande filme para Selton estrear. Se por um lado a direção do cara (e até o roteiro, mas em menor escala) fica muito preso ao formato artístico em voga no Cinema, por outro lado temos um brilhante veículo para que o elenco, homogeneamente irretocável, dê um show. Do ambígüo Guarnieri à instável Moretto, passando por um Mauro duríssimo e hipócrita, e Glória cuspindo amargura a cada sílaba, os atores dominam o jogo de cena de Mello, incrivelmente versátil, intenso e espontâneo. Meu preferido é mesmo Leo Medeiros, que não fraqueja como protagonista em um segundo sequer, servindo, antes mesmo de o roteiro revelar o duro segredo, como catalisador de toda a desolação e destruição daquela família arrasada. A cereja no topo dessa aula de direção de atores é a trilha de Plínio Profeta, que entra por debaixo da pele e fica pro um bom tempo.
Nota 8.

Jules e Jim
Sem dúvida um dos relacionamentos mais complexos já concebidos pelo Cinema, essa jóia de Truffaut consegue empolgar, instigar, questionar, incomodar, cativar, e criar uma genial reflexão dentro de seu tema, que ganha aqui uma abordagem hiper-realista precisa e pontual, cortesia de personagens geniais. O rigor estético de Truffaut impressiona, sem, no entanto, parecer rigor, dando uma beleza irresponsável a seus planos e movimentos de câmera. O roteiro sensacional dá um inabalável suporte para o trio de protagonistas, arrebatador, entregar performances inesquecíveis, carregadas de um sentimento europeu, sóbrio, que não só reflete uma cultura, como serve perfeitamente à arte do filme. Um dos relacionamentos mais marcantes da história do cinema dá, para o espectador, um nada passageiro vislumbre de por quê entrou para os anais da Sétima Arte.
Nota 10.

Diário dos Mortos
Ah, o bom e velho George Romero. Voltando com um filme de zumbis. Filmado com câmera-na-mão. Mesmo amando o simpático mestre do horror, e mesmo tendo achado Dia dos Mortos e Terra dos Mortos bons filmes, eu não esperava absolutamente nada dessa empreitada. Que bom. A surpresa é grande ao constatar que ele tem, ainda, muito a dizer, através dos zumbis. O comentário afiado, marca da trilogia que faltou, em partes, no quarto filme, volta fresca e bem defendida. Além da ótima metalinguagem com o cinema de terror em geral (não só Romero denuncia os vícios do gênero como evita alguns), o comentário sobre a mídia é tecido com paixão, largamente presente nas críticas sociais dos filmes: George acredita piamente no que está dizendo. Dentre os recentes "cameranamão", "Diário" é de longe o que embasa melhor a constante filmagem, pois é mais que uma ferramenta ou recurso estilístico, é a base do conceito abordado.

O formato do filme é um caso mais complicado. Diferente de [REC] ou Cloverfield, que querem ser realisticamente realistas, o filme de Romero quer ser ficcionalmente realista. Ele traça a linha da ficção logo no começo, e deixa claro o motivo para a escolha do estilo Bruxa de Blair - e continua coerente ao justificar a presença de trilha sonora clichê, por exemplo. Ser mockumentary é parte da crítica social, e quando assusta, também tem um motivo para tal. Há uma boa dose de clichês e inconsistências no conceito, mas nada alarmante. Sobrevoando o elenco mais-ou-menos, o roteiro consegue a façanha de fazer os personagens serem memoráveis através de frases estúpidas: e, convenhamos, não há nada similar a profundidade por aqui. No entanto, alguns personagens são presenteados com uma filosofia simples e direta, que simplifica e resume a situação hipotética apresentada pelo filme, mas comenta o mundo em que vivemos de forma claríssima. Terminando da forma mais ácida possível, o filme (que, além de tudo, diverte) se prova um triunfo por mostrar o Romero autoral e brilhante.
Nota 8,5.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

4

Missão: Impossível
Massa bagarai. O roteiro deixa você prever as reviravoltas alguns minutos antes, e paree ser intencional, pois isso raramente enfraquece o ótimo ritmo do filme. A direção descolada de DePalma, com uns vícios oitentistas divertidíssimos e câmeras bacanas, dá um puta charme - mas a tensão não se perde, pois a famos acena em que Ethan Hunt se pendura por um fio é uma aula de suspense. Cruise, bonzinho, encabeça um elenco foda com Redgrave se divertindo horrores, Ving Rhames todo blasé e fodão, Jean Reno e seu personagem maneiro de sempre e Voight... bem... canastra. As cenas de ação são ótimas, mas não sabotam o filme atraindo atenção demais. Elas privilegiam o suspense e as intrigas, o que o filme tem de melhor, algo que ressalta as poucas e boas cenas de ação. O plot parece copiar tudo que já foi feito em termos de filme de espionagem, mas o filme faz isso com uma propriedade e um senso de diversão pura que dá gosto, justificando a ascenção desse sub-gênero perante o gosto do público.

Nota 8,5.

[•REC]
Com a boa safra de filmes de terror espanhóis, vem [•REC], um filme muitíssimo bem conduzido que já parte de um pressuposto interessante: não quer ser um exercício de estilo, como A Bruxa de Blair e Cloverfield. É um puro exercício de medo. Os diretores Balagueró e Plaza têm a única função de assustar, e não prometem nada mais para o espectador. Nada de personagens profundos, conflitos bem construídos (embora façam falta) ou roteiro complexo. A história se desenrola dentro de um pequeno prédio, e os roteiristas fazem bem em apenas fornecer cenas arrepiantes e situações tensas. Para manter o realismo documental, os personagens se dignam a entrar em desespero, gritando e esperneando, mas o roteiro não se preocupa em ir muito além, para não perder o foco.

Clichê atrás de clichê seguido de clichê, o filme tem uma narrativa quase nula, e não raro é previsível. O grande trunfo, porém, reside aí. [•REC] não subestima o espectador, como se ele não soubesse o que acontecerá em seguida. Os diretores se aproveitam da previsibilidade do "BU!" de forma brilhante, pois sa tensão vem de sabermos perfeitamente que tomaremos um susto, é só esperar. Talvez a ausência de trilha sonora anule a pompa que Hollywood costuma dar a esses sustos clichês. E quando os sustos não são previsíveis, sai de baixo, porque cenas como a do corpo caindo (não é um spoiler, eu ouvira falar da cena e voei da cadeira quando ela aconteceu) são marcantes, e as trombadas com a zumbizada justificam toda aquela correria e gritaria. Por sinal, a origem dos zumbis é uma boa alternativa para a velha e desgastada fórmula, e, vai, alguns clichês de direção e roteiro conseguem ser evitados - mas só quando isso aumenta a tensão.

Contando com uma ocasional, quase acidental beleza estética, um elenco eficientíssimo em sua parca demanda, e efeitos sonoros de gelar a espinha, [•REC] funciona perfeitamente como veículo de tensão e medo. Em tempo: a última aparição me lembrou um filme de José Mojica Marins pela simplicidade da macabra figura.

Nota 8.

A Princesa de Nebraska
Pequeno grande filme de Wayne Wang, "A Princesa de Nebraska" é a história de uma jovem chinesa que vai para os EUA fazer um aborto. Contada assim, parece ser uma chupação do maravilhoso "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", mas Wang toma um rumo diferente, especialmente no tom. Sasha é uma turista vivendo numa realidade relativamente fácil, e o aborto, mesmo sendo focado de forma atenta, é visto sob outro viés. As "aventuras" de Sasha nos EUA são mote para as várias ponderações sobre o filho que carrega, sobre o pai e sobre a vida. Visto apenas de relance, como uma memória distante (algo que o roteiro trata de justificar em diálogos), o pai do filho, um belo amigo da protagonista, é apenas um elemento da narrativa, mas é partindo dele que boa parte da curiosa estética "câmera de celular" se produz.

Filmado de forma quase amadora, com movimentos de câmera e zoom-ins escandalosos, o filme também explica essa escolha: a cena do jantar mostra que a visão dos acontecimentos é sempre deturpada, amadora, e que ver isso de forma documental e, mesmo assim, artificial, é a mais adequada. No entanto, conseguimos nos envolver com a história, graças em boa parte aos esforços sutis de Li Ling no papel principal, uma figura difícil de simpatizar, mas agradável como um todo, e sempre interessante. Ok, o roteiro às vezes se esforça para criar situações chamativas, resultando em vários momentos arbitrários em tom, mas tudo que acontece é coerente com a protagonista. Também é louvável a inclusão de sutis simbolismos (o balão, a unha), a complexidade da relação de Boshen com Sasha e o pai da criança, Yang, e a desses personagens secundários em si.

Usando ainda de efeitos sonoros altíssimos (para ressaltar como a informação nos chega de forma apurada, e mesmo assim falha) e uma trilha diegética, o filme culmina num quase-número musical, uma licença poética em todos os sentidos, pois o filme se permite um tom lírico inexistente até então. A música é "Hope there's Someone", de Antony and the Johnsons, e o efeito da sublime cena é arrebatador. Uma jóia bruta, valiosa como é.

Nota 8,5.

Platoon
Um poderoso e pesado filme de guerra. Aqui há metonímias (meu recurso cinematográfico preferido) que achei incríveis, saindo do velho tema/formato. "Platoon" é as intensas cenas de batalhas, pois nelas está contida a maioria dos elementos do roteiro. Os conflitos internos de cada um transbordam, os externos ganham uma dimensão física, bruta, e muitas facetas de certos personagens caminham para uma apoteose violenta. Não só são muitíssimo bem filmadas as cenas de ação (é injusto resumi-las assim), como a estética deas dá ainda mais profundidade. O conflito final, em que todos os personagens que sobreviveram são retratados de forma extrema (e coerente), é um jogo de luzes e sombras estranhos, desorientadores, que causam medo, dúvida e, sim, maravilhamento. O visual é macabramente bonito, mas também instavelmente tenso, o que adiciona uma porção de reflexos narrativos à cena.

Outra comparação feita pelo filme é a da trajetória de Chris com os dois Sargentos em guerra interna, Barnes e Elias. Sheen começa frouxo, distante da imagem de ambos os veteranos. Com o tempo, o humanismo que Elias consegue manter no campo de guerra aflora no jovem, mas, nos minutos finais, é Barnes que ele espelha. Uma pena que Sheen só esteja bom no papel, não comprometendo graças a um personagem riquíssimo e, claro, a duas atuações primorosas como base, Dafoe e Berenger como Elias e Barnes. O primeiro protagoniza a imagem mais famosa do filme, e escapa de forma brilhante da mesmice militar vista no cinema; o segundo, por outro lado, mantém a imagem bruta do homem de guerra, mas de uma forma selvagem (sua postura é quase anacrônica, remetendo a guerreiros bárbaros), tirando totalmente o glamour de sua autoridade.

O filme tem suas redundâncias, seus tropeços e suas inconsistências, mas usa a linguagem cinematográfica, seja no roteiro ou na direção (Stone se prova nas já citadas cenas de confronto e em images que ele torna icônicas), de forma inteligente, e merece boa parte da atenção que recebe.

Nota 8,5.